quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A NOIVA

O vestido ficou do jeitinho que ela tinha imaginado, todo em renda francesa, caiu como uma luva.Era a décima segunda vez que ela experimentava o vestido de noiva.

Cada vez que vestia ficava imaginando a entrada triunfal na igreja, as lágrimas escorrendo pelo rosto, os convidados comentando ao vê-la entrando:
- Olha a noiva! Está linda!
E ela caminhando lentamente na direção do altar onde o noivo a aguardava nervoso, suando.

Aos trinta e seis anos, embora tivesse tido diversos namorados, nunca tinha sido pedida em casamento, era a primeira vez.
Lentamente, essa palavra se repetia em sua mente.
Sonhara com este momento diversas vezes e agora o sonho estava preste a se realizar, por isso ia aproveitar cada segundo, caminhar o mais lentamente possível.

Prendeu o cabelo, fez a maquiagem.
-Bem suave, assim que eu quero, bem suave, leve.

Escolheu um batom cor de boca.
-Assim está ótimo!

Puxou alguns fios da franja, colocou a grinalda.
-De princesa, sempre imaginei assim, de princesa!

Colocou o véu, deu mais uma olhada no espelho.
Faltavam apenas quatorze dias.
-Esse tempo não passa! Parece que cada hora tem 360 minutos!

De repente, lembrou-se que havia marcado com a moça do cerimonial para acertarem os últimos detalhes da entrada na igreja.
Olhou o relógio.
-Nossa! Tenho que tirar tudo rápido, Irineu já deve estar chegando e o noivo não pode ver a noiva vestida!
A campainha tocou.
-Neeeu! Só um instante já tô indo!
Neu, era esse o apelido que dera ao noivo.

Despiu-se rapidamente, vestiu o jeans e a camiseta, enfiou o vestido de noiva e a grinalda na caixa e colou no guarda-roupa.
Correu, abriu a porta.
-Oi amor! Desculpa a demora eu estava no banheiro, só vou calçar as sandálias e já venho.
Irineu entrou e sentou-se no sofá.
-Amor! O alfaiate ligou para confirmar a prova do fraque!
Gritou ela do quarto enquanto calçava as sandálias.
-Neeu! Você ouviu o que eu falei?
-Ouvi!

Apareceu na sala.
-Vamos amor! Estou pronta.
-Tina, senta aí, precisamos conversar.

Nesse momento Tina se deu conta que Irineu desde que chegou estava muito calado.
-Aconteceu alguma coisa Neu?
-Tina, não vai ter mais casamento.
-Como não vai ter mais casamento?
Enquanto balbuciava estas palavras foi sentando no sofá para não desmaiar. Sentiu as pernas bambas, a boca seca, uma tonteira, mas tentou manter-se firme.
-Tina, eu pensei muito e cheguei a conclusão que eu não estou preparado para casar.
Como não estava preparado? Pensou ela.
Foram dois anos. Compraram apartamento, mobília, foram diversas vezes no apartamento para acompanhar a reforma, diversas vezes na casa de festas, na igreja, no alfaiate... Teve tempo de sobra para desistir e só agora, faltando quatorze dias ele descobre que não está preparado.
-Neu, você arrumou outra?
A voz quase não saia da garganta.
-Não! Não arrumei ninguém! Só não estou preparado para casar!
-Neu, faltam quatorze dias para o nosso casamento. Os compromissos, a correria pode ter deixado você cansado, estressado e você está confuso. Às vezes também me sinto cansada, mas isso é normal!
-Pára Tina! Eu não estou cansado e muito menos estressado, só não estou preparado para casar!
-Neu, vai para casa descansar, pensa bem, amanhã à noite você volta aqui e aí a gente conversa.
-Tina! Eu não preciso descansar! Já está decidido, não tem mais namoro, noivado, casamento... Acabou! Não dá mais!

Irineu levantou-se, saiu e bateu a porta.
Ela queria quebrar tudo! Avançar nele, socar até não poder mais. Contudo, estava anestesiada, sem forças para levantar do sofá.
-Não pode ser verdade!
Chorava.
-Não pode ser verdade!
Desta vez gritou tão alto que o seu gato saiu miando assustado.

Não conseguiu dormir, chorou a noite inteira ali, naquele mesmo sofá que havia sentado quando recebeu a notícia.
O dia amanheceu. Precisava levantar para ir trabalhar, mas não tinha forças, nem ânimo para levantar do sofá.
-Eu não vou falar nada pra ninguém, o Neu deve estar confuso. Vou esperar mais uns cinco dias e, se ele realmente não voltar eu comunico a todos que não vai ter mais casamento.

Aqueles malfadados cinco dias foram uma verdadeira tortura.
A campainha tocava, ela corria para abrir a porta.
O porteiro:
-mais presentes Dona Tina!
-Tá bom Moisés, coloca ali naquele canto.

Toda noite ela ligava para casa de Irineu e durante o dia para o celular; caia na secretária eletrônica. Deixou diversos recados em vão.
-Tina! Tina!
-Oi!
Respondeu Tina meio aérea.
-Estou te chamando faz tempo e você parece surda vendo essa novela!
-Olha! O vestido da noiva da novela é igualzinho ao seu!
Exclamou Lucia amiga de Tina.
-Desculpa Tina! Eu não tive a intenção de fazer você relembrar o passado.
-Esquece Lucia! Já faz tanto tempo, quase três anos, eu já nem sinto mais nada. Porém, não posso negar que o vestido da noiva me transportou até o passado.
-Tina, você ainda pensa em casar de véu e grinalda?
- Sabe Lucia, quando tudo aconteceu parecia que eu tinha recebido uma punhalada pelas costas que atravessou o coração. Era tanta dor, tanta dor que eu pensei que ia morrer. As lembranças de coisas ruins são como cortes que deixam cicatrizes profundas. O corte cura, mas a cicatriz fica e, toda vez que você olha para cicatriz lembra de como foi o corte e a dor que você sentiu na época. Hoje vejo que tudo na vida passa. Não a mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe. A gente nunca sabe o que nos reserva o futuro!O que tiver que ser será!

-Você não respondeu diretamente a pergunta.
Insistiu Lucia.
- A resposta é sim, casaria de noiva com véu e grinalda. Na máquina da vida a esperança e o sonho são óleos que lubrificam a engrenagem. Se você deixar de sonhar e não tiver esperança a máquina enferruja e para. Acreditar que a vida ainda tem algo de bom para nos oferecer, nos dá motivação para viver.

Um comentário:

  1. Tem horas na vida que a esperança é a unica coisa que temos para nos apioar.
    Mesangem linda, apesar de que detestei o modo como o "neu" terminará com tua noiva, um casamento não é algo assim, tão de cara.
    Eu pretendo casar com minha esposa como manda a tradição, ja que estamos "casados" apenas na convivencia e não oficialmente.
    Por isso decidimo que iremos juntar uma grana legal, para ter uma festa e uma lua de mel decente. Fora que teremos que esperar nossa filha que tem um ano fique um pouco mais velha para deixarmos ela com alguem na lua de mel...rs..
    obrigado pela reflexão.. idicarei para algumas pessoas o texto.

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