sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

ENGOLINDO SAPOS



Olhou através do vidro da janela, lá fora era noite e a chuva caia sem parar, não podia mais continuar ali. Vestiu um agasalho, pegou o guarda-chuva, a bolsa e saiu andando pela rua. A chuva era de vento e o guarda-chuva de pouco adiantava, a água da chuva batia em seu rosto e misturava-se as lágrimas que ela limpava tentando esconder. Parou debaixo de uma marquise para esperar a chuva estiar. Ficou ali em pé olhando a água que escorria para o ralo da rua se perguntando:

-Onde foi que eu errei?

Não era feliz!

Passou a vida engolindo sapos para não se aborrecer.

-Melhor ficar quieta sabe... se eu falar vou criar polêmica, a polêmica vai se transformar em briga, discussão. Não vale a pena! A palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro!

Agora, estava sofrendo as conseqüências do seu silêncio.

A chuva diminuiu. Saiu andando pela calçada e à medida que caminhava passava em frente a restaurantes.

Entrou num café, o ambiente era agradável, poucas pessoas, sentou perto da janela. Lá fora a chuva começou de novo, agora mais forte.

Parou de trabalhar para criar os filhos.

-Pode sim, a mamãe não sabe nada!

Era essa a frase que ouvia toda vez que chamava a atenção das crianças e o pai estava por perto. E, para não criar confusão, saia de perto.

Ele estava sempre tão mal humorado que quando ele saia para trabalhar era um alívio para ela.

Por que não fez nada para mudar essa situação?

Pegou o guardanapo, disfarçou, secou os olhos.

Pediu um chocolate quente.

-Não enche mãe, você é muito estressada!

-Menina! me respeita! Isso é jeito de falar com sua mãe?

-Vem cá com papai, sua mãe tá estressada!

Pensou ela:

Esse foi um dos motivos que fez com que as coisas chegassem ao ponto que chegaram.

Ele sempre tirava a autoridade dela.

Os filhos cresceram e nada mudou. Nem o marido, nem os filhos tinham respeito por ela, essa era a verdade crua e fria.

E agora?

A idade já não lhe dava muitas opções, não tinha meios para se sustentar, não tinha para onde ir.

Ficou pensando em diversas possibilidades, mas acabava descartando porque todas exigiam que ela tivesse, pelo menos, alguma economia e isso ela não tinha.

Chamou o garçom, pagou a conta e saiu andando na chuva.

Parou para atravessar a rua e ficou ali, parada, olhando pro nada, pensando...

O erro foi meu, eu errei quando me calei, errei quando deixei que invadissem o meu espaço, errei quando não coloquei limites...

O som de uma buzina a fez voltar para a realidade.

Atravessou a rua, abriu a porta. Ninguém havia notado a sua ausência.

Tomou um banho, foi deitar.

Como não tinha escolha, voltou para engolir sapos!

Vale citar:

No caminho com Maiakovski

"[...]

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.


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